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15 janeiro 2009

Nelson Gonçalves - Revista Aplauso - Jan/2009




A Revista Aplauso de Porto Alegre no. 97 traz Nelson Gonçalves em matéria de capa nesta edição, veja um extrato da matéria abaixo e a integra da Revista:

O Rei da Boemia
Cristiano Bastos

Quatro frases enunciadas pelo cantor Nelson Gonçalves, na abertura do espetáculo Eternamente Nelson (1981), resumem os desígnios – trágicos e redentores – de sua trajetória nos palcos e na vida. Soa o gongo. O Metralha galga as escadarias que conduzem ao galante palco iluminado, sobre o qual cantará nos festejos de 40 anos de uma carreira brilhante. Atrás de si, a metáfora grafada em maiúscula: "Ringue" – palavra que, a vida toda, foi uma espécie de amuleto para o astro, boxer, e dos bons, na juventude. Com seu timbre de veludo, ele dá a ficha: "Meu nome é Antônio Gonçalves Sobral. Gaúcho de Livramento. Minha arma, minha voz. Meu escudo, minha mulher Maria Luiza. Meu destino: cantar". A declaração é de arrepiar.Dez anos se passaram desde que o destemido boêmio morreu, aos 78 anos. Mas, felizmente, a data será lembrada com o merecido brilho. Lançamentos à altura do vozeirão de Nelson Gonçalves vão presentear velhos e novos fãs, que poderão conhecer mais a respeito daquela que, provavelmente, foi a maior voz que já cantou no Brasil. No DVD Eternamente Nelson – Especial e Registros Raros da Carreira de Nelson Gonçalves, show exibido pela Rede Globo, a Sony&BMG reavivou som e imagem do espetáculo.
A gravadora também vai relançar o debut do cantor em LP (long play), Nelson Interpreta Noel, de 1954. A novidade principal, contudo, é O Canto que me Embalou – Poemas Para Meu Pai, Nelson Gonçalves, livro da filha Marilene Gonçalves que deve atrair grande número de fãs interessados na face paterna do ídolo. Nelson, revela Marilene, em nada era convencional. “Papai era um cara super pão-duro. Não soltava dinheiro fácil, não. Mas se ele andava na rua e topava com um mendigo – sem brincadeira – podia lhe dar mil reais para que resolvesse a vida”, conta a filha. A sovinice, segundo ela, tinha outro sentido para ele, que tratava o sujeito do elevador, o garagista ou a celebridade da mesma maneira. “Agora, era machão, irreverente e tinha personalidade forte. Sempre foi teimoso, mas sempre foi um menino”, revela Marilene, que vive no Rio de Janeiro.Nelson Gonçalves foi um dos maiores cantores do Brasil – e do mundo, sem dúvida. Até hoje. Sua marca é altíssima: 70 milhões de discos vendidos, média espetacular de mais de um milhão anuais num tempo em que o rádio dava as cartas – embora o copioso numerário tenha minguado ao extremo na infernal temporada aos confins da droga que fazem parte de sua biografia. Nos cálculos do próprio cantor, da gravação de estréia – a valsa Se Eu Pudesse um Dia (outubro de 1941) – ao derradeiro CD Ainda é Cedo (1997), são mais de 2 mil registros fonográficos.
Cancioneiro sulcado em 183 discos de 78 rotações, 100 compactos, 200 fitas K-7 e 127 long-plays, só o compacto da indefectível A Volta do Boêmio, que marcou justamente o fim de seu casamento com a cocaína, faturou 2 milhões de exemplares. Algarismos que nem o colega de RCA Elvis Presley superou, com suas cerca de 1,6 mil canções e 63 álbuns. De afinidade, entretanto, os "reis" têm apenas o prêmio Nipper, deferência dada aos bastiões da gravadora – no mundo, apenas Presley e Gonçalves receberam a honraria. Gaúcho por acaso, a origem caiu como uma luva ao tipo falastrão e superlativo construído por Nelson. Em 1919, os pais, pobres imigrantes portugueses de Vizeu que ganhavam a vida como artista mambembes, tiveram o varão na cidade fronteiriça. E pouco tempo depois (as versões variam de dez dias a dois anos) partiram definitivamente para São Paulo. O cantor, entretanto, sempre valorizou suas raízes gauchescas. "O Nelson era gaudério mesmo", diz o roqueiro Lobão, que durante os anos 80 conviveu e gravou com o cantor.
Segundo ele, três coisas formaram a personalidade sangüínea de Nelson: a ascendência gaúcha, a experiência como pugilista em São Paulo e a atividade de gigolô na Lapa carioca. Lobão diz que nunca vai esquecer o dia em que conheceu o cantor. "Cheio de deferência, fui me apresentar: 'Como vai, Seu Nelson?' O malandro emendou: 'Seu Nelson é o caralho! Sou você anteontem", lembra o roqueiro, numa referência de Nelson Gonçalves à dependência de cocaína, que ambos amargaram. Ainda hoje o músico ainda se delicia com o lema do amigo: "Onde houver botequim, puteiro e violão, haverá Nelson Gonçalves cantando uma canção", diverte-se.
Depois que deixou Santana do Livramento, Nelson Gonçalves esteve na cidade apenas duas vezes: uma em 1972, para fazer um show no Ginásio Coronel Mallé lotado e outra, em 1976, para receber uma homenagem da Câmara de Vereadores. Na primeira vez, Nelson vinha de um período de três anos sem gravar – o artista recém tinha superado sua relação com a cocaína e tentava (sem metáforas) reestruturar a carreira. "O show foi um estouro, tinha gente pra caramba. Depois da apresentação fomos todos comer parrilla em Rivera", conta Roberto Silva, há 42 anos radialista na cidade e que fez a apresentação oficial do show de 1972. Conforme Silva, Nelson era quieto, falava pouco e ficava na dele. Devido à gagueira acentuada, falava pouco – mas, quando falava, era rápido e atrapalhado. Daí o apelido: Metralha.Nelson, que nasceu na rua Silveira Martins (esquina com a Vasco Alves), voltou à cidade em 1976 para receber o título de cidadão santanense. Antes da homenagem, conta o radialista, comeram um churrasco numa estância e, depois, foram à Câmara para inaugurar uma placa alusiva à data. Vai daí que alguém sugeriu um show. "Só que ele se recusou. Alegou que não tinha músicos para acompanhá-lo", lembra Silva, mais uma vez testemunha privilegiada da história. Tarde demais: o ginásio Guanabara já estava lotado, à espera do astro. O time de músicos – formado por um violão de 12 cordas e outro de sete, mais um cavaquinho e farta percussão – já estava a postos. Muito a contragosto, Nelson subiu para cantar apenas uma música. "Mas gostou do acompanhamento e do clima e cantou outras dez”, conta o radialista.



Mesmo assim, ficou tão irritado com o episódio que nunca mais voltou à cidade. “Apesar disso, é Deus em Livramento. Tem um carisma muito grande na cidade", atesta Silva. Reza a lenda que o cantor ainda tem parentes na cidade, os Gonçalves, que moram no Cerro do Marco, na divisa entre Livramento e Rivera, do lado uruguaio. E que, freqüentemente, ia jantar com os primos, devidamente disfarçado, no restaurante do Pedrinho. Nos anos 90, Nelson foi tema de samba-enredo baseado no sucesso Normalista, feito pela Escola de Samba Império da Zona Sul de Santana do Livramento. Com autorização por escrito, o nome de Nelson entrou na letra do samba. "Nelson tem anel de bamba/Na Lapa formado em samba/e vem pra nossa escola desfilar/e na avenida nossas cores exaltar/Hoje Santana festeja tua vitória/Nelson Gonçalves canta a alma brasileira/e pra mostrar que nosso povo tem memória/ a nossa escola pôs teu nome na bandeira”, exalta o samba.



Leia a reportagem na íntegra na edição impressa de APLAUSO 97

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